segunda-feira, 26 de outubro de 2009

A Mulher Samaritana


João cap 4:1 a 30 com vistas a II Reis 17:24 a 41


Não pude ficar ali!
A humilhação era tanta que, num só momento escolhi o pior horário – em pleno meio dia – para buscar água. Não podia esperar até à tarde para ir ao poço com as demais.
Ah, o sol da Palestina!
Minhas sandálias derrapavam nas pequenas pedras do solo de Sicar; o cântaro, ainda vazio, na metade do caminho já pesava o dobro de seu peso. Desde menina venho buscar água no poço de Jacó, nosso pai, mas mesmo assim não me acostumo. Por que será que a colina se tornava mais alta a cada passo?
Ah, o sol da Palestina!
Deu pra ver de longe a Sua túnica, e Ele estava só.
Seria um peregrino? Seria um de nós?
Debaixo daquele céu azul sem uma única nuvem, aquele homem me aguardava.
Olhar cansado. Eu O conheço? Não.
Mas parecia que Ele sim me conhecia!
Lábios ressecados, enxugava o suor da testa com a manga do Seu braço, alparcas cinzas com o pó da estrada, canelas russas, a borda do vestido... Sim! Era um judeu! O fio azul na bainha do seu vestido o condenava.
Não podia Lhe falar, mas não conseguia deixar de olhar para o seu rosto manso.
O calor aumentou.
Ah, o sol da Palestina!
Quando eu ia lhe perguntar se me conhecia, tendo em vista que insistia em me fitar, ele me pediu:
- Dá-me de beber.
Como tais perguntas ainda ecoam em meus ouvidos. As primeiras palavras de um judeu direcionadas a mim.
Se eu fosse um homem, teria Jesus coragem de fazer o mesmo? Quantas mortes já ocorreram entre judeus e samaritanos... Mas hoje entendo que não foi uma questão de coragem, e sim uma questão de amor.
Aquele estranho homem devia estar a muitas horas andando sob aquele sol escaldante e, quem sabe, não percebeu meu perfil samaritano.
Ah, o sol da Palestina!
Nunca tinha ouvido tais palavras, e como foi difícil entender da “sede do Espírito” e da “Água da Vida”.
Há muito ouvi falar que ele viria, o Messias, não somente o profeta. Mas inconstante como eu era, só eu sei como me deixei levar por influências.
Assim era o meu povo, como a mim: inconstante.
Tenho culpa pelos cinco casamentos?
Samaria se casou cinco vezes nesses últimos setecentos anos!
O povo de Babel tinha muitas caras, muitos momentos... muitos conflitos.
Ficava difícil a comunicação pelo fato de que carregava consigo muitas línguas.
Assim era Jubal, meu primeiro marido. No terceiro ano não agüentava mais tanta falta de comunicação.
Seu próprio nome – que significa “pequeno riacho” – explicava a quantidade de influências que ele carregava por onde passou durante a sua vida. Aquela paixão acabou mais rápido que eu esperava.

“Como você, doce peregrino, me daria água se não tens com o que pegar?”
Que ingênua pergunta. Eu estava em frente do Manancial de água viva
!

Guta era um povo frio. Quieto.
Samaria chorava pela fome e dor da ocupação, e Guta insensível ao clamor do meu povo.
Meu segundo homem, Malque, era assim.
Nunca sorriu com o meu sorriso. Nunca chorou com o meu choro.
Meu Deus! Eu sou sensível e eu tinha as minhas dores!
Nem prazer Malque me deu... E na sua morte, eu é que não chorei!
Quando Samaria se casou com o povo Hamate, descobriu o que é ausência.
Como me arrependo do meu terceiro casamento. Nunca estávamos juntos. Zev era como um lobo, saía a noite e voltava dois dias depois. Eu ficava com fome, sede... sem amor. Eu amava Zev.
Mas eu deveria me amar mais. E assim eu fiz: larguei tudo o que reconquistei e parti dali para outro canto.
Não haveria como me esconder das línguas que me julgavam e condenavam: Adúltera! Prostituta! Inconstante...


Ele era o Cristo que esperávamos! Sentei-me no chão e saciei minha sede de amor.
E o amor verdadeiro encontrei no cansado viajante. O meu Senhor!
Não O olhava como aos outros homens. Nunca!
Não olhava seus cabelos e sim a Sua infinita sabedoria.
Não olhava os Seus olhos e sim a Luz que deles saía.
Não olhava o seu tórax largo, mas sim o Seu coração.
E só pensei em agarrar as suas mãos quando delas escorreram sangue, para Lhe arrancar daquela cruz!


Ava: Quarta nação a se casar com Samaria.
Os mais belos a se juntar conosco. Povo de sorriso largo, cabelos tratados e olhos azuis como o meu Zarco.
Nos casamos ao lado de um açude. Havia tochas e a noite estava linda. Dormimos numa rede ao luar e aí redescobri uma mulher que havia em mim: delicada.
Os afazeres do campo e o trabalho pesado de quem morava sozinha tinham adormecidos a doce samaritana.
Mas o que eu nunca pude esperar, é que Zarco, assim como o povo Ava, atrás daquela beleza se escondiam tiranos.
Meu quarto marido me esbofeteava a face quando eu não o desejava.
Cuspia e me chutava quando eu caía ao chão.
Me humilhava puxando os meus cabelos quando estava embriagado e, pra não ser acusada de assassinato, preferi fugir.

Ah, o sol da Palestina!
Olhei pra cima para ter uma noção das horas.
Mas pra quê as horas se o que Jesus me falava era tudo o que eu precisava.
Quantos lábios mentirosos “adoravam” e “glorificavam” sem verdade no coração.
Eu tinha coragem de assumir que era falsa, mas e eles? O que vocês vêem ao se olhar no espelho?
Que respeito eles queriam que eu tivesse de suas brancas barbas e cabelos?
Sim, Mestre. Adorar em espírito e em verdade!
Minha boca apenas sussurra o que meu coração grita.


Uzi lembrava os Sefarvains.
Aqueles mentirosos!
O último povo que os assírios trouxeram para se juntar com Samaria – nosso quinto casamento.
A nação Sefarvaim era de bandidos, ladrões, fanfarrões... E Uzi não era diferente.
Meu quinto e último marido me amava e a muitas outras. Trazia-me flores, castanhas e mel e ao mesmo tempo levava perfume para suas amantes.
Sim. Foi aí que eu passei a fazer jus à minha fama.
Antes de abandonar Uzi, eu o traí com todos que eu pude: velhos, moços, belos e feios.
Estranho... Como a minha história se parecia com a da própria Samaria!
Cinco homens e cinco nações.
Naquele dia, último da minha antiga existência, após pegar água, eu iria me encontrar com o marido de outra mulher.
Não queria mais relacionar-me com alguém que eu podia dizer “meu”.
Na verdade eles nunca foram meus.
Mas Jesus me fez abandonar a mim mesma.
Tão poucas palavras e tão profundas, tão sinceras e honestas.

Não tive medo quando os seus discípulos chegaram. Estava cercada por judeus, mas o que interessava? Estava feliz como há muito não estive.
Deixei meu vaso aos pés do Senhor. Deixei “minha velha mulher” – o vaso - aos pés de quem me transformou, e quem se levantou e correu para a cidade falar daquele homem não foi mais a adúltera ou a inconstante, mas sim apenas, A Samaritana.
Ah, o sol da Palestina!
Agora Jesus tinha com o que tirar água do poço.
E não somente isso: a Igreja de Samaria se casaria com o seu sexto marido, que até então ainda não O pertencia: Seu noivo é Jesus Cristo.
E Samaria, assim como eu, é mais fiel que nunca.